2016 fez a sua entrada com um governo socialista minoritário, legitimado por obra e graça de uma receita pressurosamente prestada e fabricada pela esquerda contestatária radical, que diante da desfeita do eleitorado ao candidato socialista, que via esboroar-se a ambição pessoal de chegar a Primeiro-Ministro, astutamente decidiu safá-lo de perder a cara, ter de engolir a derrota, e de enfrentar, como réu, o tribunal do seu partido. Não por simpatia ou solidariedade, mas com o fito de vir a colher fartos dividendos de um Primeiro-Ministro refém das suas bandeiras, sem suficiente autoridade para contrariar qualquer arreganho de dentes; um Primeiro-Ministro manietado, com o poder subtraído às suas pressões, sem capacidade de tomar qualquer iniciativa contrária às suas políticas, ou de lhes restringir a ambição, até agora interdita, de ser dona e senhora do reino, sem ter de suportar as consequências.
No momento grave em que vivemos, com o país sobre os nossos ombros, faz dó a infinita falta de pudor aceitar uma aliança - que a prudência desaconselhava – apenas pela ambição de confirmar-se na dignidade do cargo, parido de um aborto sem precedentes na história da democracia pós 25 de Abril de 1974. Como conciliar os dogmas de gente encerrada no seu monolitismo e o socialismo democrático até há pouco exacerbadamente por si defendido? Um casamento que o deixou comprometido para assumir com independência tanta responsabilidade, e que não lhe concede autoridade suficiente para contrariar os ideais preconceituosos dos grupos parlamentares que o apoiam. Em algum momento, sem escapatória que lhe valha, estatelar-se-á contra o muro de protecção que o ampara.
A minha dúvida é se valeu a pena tanto esforço inglório a tentar conduzir o país para um caminho seguro, agora que os novos donos da pátria anunciaram ao povo a intenção de reverter tudo. A minha sensibilidade profissional, e a expressão de angústia de milhares de portugueses, que como eu sentem o pulsar económico do país em perigo, não podem ocultar os sinais que espelham a desilusão, a ansiedade e o medo de voltarmos a ter a Troika à perna, face às miragens do utopismo teórico que nos conduzirá, inevitavelmente, ao nacional porreirismo dos tempos de Guterres e de Sócrates – uma ilusão colectiva que resultou em desespero e pobreza.
Tal como hoje não fazemos tábua rasa do passado, também as gerações seguintes não vão querer ignorar as mudanças ocorridas e as experiências vividas olhando para o fundo da história que as precederam, uma sociedade com os seus avanços e recuos, as suas dificuldades sociais e económicas, as suas crises políticas – causas e efeitos que influíram na vida de todo um povo e na sua marcha através do tempo. É natural, pois, que as gerações futuras se interroguem, para perceber o comportamento daqueles que formaram a cadeia da história do seu país, exactamente como também eu próprio me interrogo hoje da razão porque de todos os regimes e governos que tivemos, nem um só soube prevenir a estranha continuidade dos fracassos que nos abalaram, mais parecendo uma praga sobre todo um povo, sem sorte ou sem mérito na escolha dos seus representantes, incapazes de se adaptarem à evolução do mundo, e que com frequência desembocaram sempre no oposto dos objectivos apregoados. Como e porquê?
Portugal, República de depois 1910, com um regime parlamentar multipartidário estabelecido na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, apesar das riquezas obtidas após o seu grandioso processo de expansão marítima, iniciado no século XV, que culminaria com a criação do primeiro império colonial da época moderna, em toda a sua história nunca foi capaz de adoptar uma política racional para o seu povo, que o conduzisse a um progresso real. Nem a monarquia nem a república souberam evitar os fracassos em momentos vários da sua história. Até a esperança renascida com a Revolução dos Cravos, em Abril de 1974, subordinada à propaganda enganosa dos ideólogos marxistas-leninistas, que o espírito de resistência presente entre inumeráveis patriotas fez gorar in extremis, todavia sem evitar que permanecessem a mostrar a sua rigidez mental, feneceu pela fisiologia de uma casta de pessoas, de cuja natureza emanava uma só ideologia servindo as suas ambições politiqueiras, que levou até às últimas consequências o activismo pró-soviético, em que a técnica do assalto, o rompimento das estruturas e a divisão constituía a dinâmica do seu movimento, que não admitia mais que um pensamento: a comunização, ou seja: a ditadura comunista.
O optimismo dos protagonistas responsáveis pela situação caótica em que o país veio a mergulhar, constituiu sempre um verdadeiro perigo público pelo vazio da sua incompetência, recompensados depois com medalha, comenda ou tacho, como prémio de bem servir na política desbragada, que deixaria o país numa realidade atroz, aos portugueses conscientes sempre causou calafrios. Sem nenhum baque de alma, num delírio febril, repetir que o país se encontrava bem, que nunca esteve melhor, connosco a sentir na carne a realidade que nos rodeava – uma ironia amarga e dolorosa, com a pátria exangue, de baraço ao pescoço implorando salvação, não era mais do que tentar escamotear, com a alquimia das palavras, o inconsciente colectivo da embrulhada de tanta irresponsabilidade, insensatez ou má-fé.
Por sucessivos destemperos no quotidiano pátrio da governação, Portugal, depois da Revolução dos Cravos, nunca soube organizar-se. Com os sucessivos governos ensaiando, irresponsavelmente felizes, esvaziar os cofres públicos, na vã e humilde canseira de bem servir a comunidade, romanticamente alheios ao mal que fazem as utopias, nos seus deslumbramentos conduziram-nos para o abismo.
Com magestática sobranceria e total desconcerto, num círculo vicioso, todos fizeram delirantemente o seu papel a governar uma instituição empírica, ineficaz, burocrática e perdulária, que desanima a iniciativa e sufoca a vida dos seus cidadãos. O trágico é que nos seus desatinos, sem sequer terem consciência disso, sacrificaram uma colectividade inteira, agora reduzida à sua pequenez.
Desafortunadamente, nem dos milhares de milhões vindos da CEE souberam fazer bom uso. O balanço final foi decepcionante. Distribuídos e gastos de forma caótica, sem controlo, ou aplicados em obras públicas, que não nos conduziram a nenhum lado, não aproveitaram como um sopro poderoso para a revitalização do país em termos de formação e tecnologia. A sua aplicação foi com frequência um desconcerto de circuitos subterrâneos no jogo sujo de interesses, conivências e cumplicidades, fintando o controlo (se é que existiu) da instituição Estado, sugando milhões em proveito próprio, com prejuízo para a comunidade inteira.
A responsabilidade é sempre escamoteada dentro dos meandros do sistema, onde cada um tem os seus vínculos invisíveis de interesses a defender. Que Deus nos acuda!
Um Bom Ano para todos!