Pela segunda vez estou a titular esta crónica com a mesma interrogação que coloquei numa outra, de Novembro de 2009, referindo – me a Bernard Madoff, autor da fraude financeira que despoletou a terrível situação económica mundial.

Poderia ter ideado outro título, como por exemplo: “Causas e efeitos de uma supervisão míope”; “Gestão criminosa do BES põe em cheque CMVM e BdP”; “Gangterismo financeiro”, etc., etc., mas decidi pela mesma interrogação, que denuncia um mal que, volta e meia, nos rói e causa calafrios. Uma interrogação que, por desgraça, se projecta sobre a triste realidade que nos rodeia.

Todos nós, cidadãos com mais ou menos experiência de vida e maturidade suficiente, percebemos que nestas coisas de dinheiro não se pode confiar em ninguém. No entanto, por vezes, na nossa boa fé, somos colocados perante situações em que fomos incapazes de raciocinar de forma preventiva, de maneira a evitar riscos que julgávamos impossíveis de ocorrer.

 São os mecanismos do poder os que dirigem o destino de uma sociedade. Compaginando responsabilidade e autoridade regulam, controlam e corrigem vícios e desmandos. Mecanismos de uma sociedade organizada, que confia no seu estado e nas suas instituições. Assim deveria ser. Mas, olhando a realidade de frente, não é. E porquê? Porque a vida de uma sociedade, no seu conjunto, é feita de muitas cumplicidades clandestinas, de jogos de dependência mútua, de muitos círculos de poder gerando um clima de promiscuidade e permissividade, cada um colocando debaixo das suas conveniências e os interesses próprios, os interesses do país. Os exemplos abundam.

Depois dos clamorosos casos do BPN, BPP e BCP, com as consequências desastrosas que conhecemos, por causa e efeito de uma supervisão inexistente, emerge agora o tsunami devastador BES, a deixar numa situação de desespero centenas ou milhares de pessoas, que confiaram no seu banco e nas instituições que têm por missão a sua supervisão e controlo, de forma a evitar que a confiança e boa fé dos clientes, aforradores e investidores seja atraiçoada por gestão danosa, de bens colocados à sua guarda e segurança.

O tsunami BES, provocado por uma gestão delinquente, que por todo o lado deixou destroços da sua passagem – Portugal, Suiça, Luxemburgo, Dubai, etc., etc. – poderia ter sido atempadamente evitado se uma verdadeira supervisão tivesse ocorrido regularmente e atacado o problema pela raiz.

Como polícias que se deixam enganar pelo ladrão, acreditaram na sua sinceridade e boa-fé e, pasme-se, até puseram as mãos no fogo por ele!

E agora? Quem vai ressarcir os que, cá dentro e lá fora, confiaram na honorabilidade de uns e na idoneidade de outros? CMVM e  BdP? Primeiro-ministro e Presidente da República? Todos o avalizaram. Todos colaboraram na armadilha que apanhou muitas vítimas, que colocaram as economias de uma vida ou grande parte delas nas mãos de burlões, convencidos de se tratar de pessoas sérias, impolutas.

Naturalmente, aos olhos das pessoas, a gestão do exercício de supervisão suscita muitas dúvidas. Havendo rumores, que desde há muito eram do seu conhecimento, de que as coisas pelo BES não iam bem, será que apenas existiu uma abulia sistematizada ou, simplesmente, deixaram andar para não alarmar?

O que transparece é que nem um só soube, ou não quis, evitar esta catástrofe. E deviam.

Causa certa irritação que agora se convertam em vítimas de uma conduta de falsidades durante anos levado a cabo pelo BES, enganando os polícias que, comodamente, foram confiando no ladrão.

A autoridade, a obediência e fidelidade a princípios básicos, representam um progresso decisivo nas sociedades, que devia ser manifesto, e isso não se verifica. Ou não é visível. O que é evidente, e claro, é que, frente ao Estado, o clã BES, em que Ricardo Salgado era o comandante e timoneiro do barco, quando se sentia ameaçado dos seus privilégios buscava sempre predominância, pela astúcia ou pela força, sobre a sua administração, sobre o poder central e, incluso, sobre a lei, contornando-a. Protegido pelo prestígio de uma família patriarcal crispada sobre o passado, administrava um modelo perfeito de uma hierarquia, em que os indivíduos são absorvidos no grupo, que lhes dava segurança e dignidade, a troco da submissão. Como chefe de clã, concedia ou negava a palavra, ordenava e fazia cumprir. Não fora a rebelião de quem não queria continuar escondido atrás dos biombos, que ajudou a despoletar e provocar a insolvência do grupo, e ainda hoje todos estaríamos convencidos do BES ser uma instituição em quem podíamos confiar cegamente.

Aguardemos pelo triste final desta novela, que certamente vai estender-se até às calendas.

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